O ato de apertar botões

Data: 2010, início do ano letivo. Cenário: reunião de professores. Pauta: plano de ensino e projetos interdisciplinares. Por mais uma vez, a cena se repete: uma discussão acalorada sobre como e quando utilizar as TICs – tecnologias da informação e comunicação - em sala de aula. De um lado professores que – acreditem! - ainda resistem à sua utilização, de outro, um ou dois professores que fazem sua defesa e, no meio, aqueles que nunca se posicionam ou não tem opinião formada, ou ainda não querem saber disso, pois o importante é "passar o conteúdo". Essa cena é repetida não só no início do ano, mas também no seu decorrer, visto que as propostas de projetos pedagógicos interdisciplinares ocasionam momentos semelhantes a esses. Pode parecer estranho, mas professores ainda resistem à utilização das TICs nas escolas. E mesmo aqueles que veem nelas uma boa opção procedimental na condução das suas aulas, titubeam quando é preciso argumentar sua importância ou posicionar-se em relação à sua defesa. As discussões são diversas: desde o famoso Ctrl+C/Ctrl+V - copiar e colar, passando pelo desconhecimento ao realizar pesquisas na internet, até atitudes punitivas para quem fotografa a lousa cheia com a câmera do celular. Assim, as discussões ficam muito mais em como proibir o uso dessa parafernália eletrônica, do que vislumbrar possíveis soluções para incorporá-las nas aulas. Um grande número de professores considera que os alunos apenas “apertam botões”, descaracterizando essa ação como prova concreta de habilidades cognitivas diferenciadas, de quem navega em espaços imersivos hipermidiáticos. Vale lembrar que, muitas vezes, na busca de informações, nos jogos e em outras situações de aprendizagem digital, o simples fato de apertar esse ou aquele botão representa uma importante tomada de decisão: na seleção e organização de um dado ou informação, na escolha de um caminho a percorrer por entre correntes diferenciadas sobre determinado tema pesquisado, ou ainda um posicionamento que implica em segurança e autonomia por parte de quem o faz. Essa pequena ação é desconsiderada pelos professores que, na sua maioria, tem receio de apertar os botões em virtude do que pode acontecer depois.
Já deu para perceber que estamos em tempo de mudança. E faz tempo! Isso não significa abandonar práticas já conquistadas anteriormente nas escolas, mas sim, adaptar essas “práticas de ensino em uma sociedade em que lidar com o conhecimento é uma questão de negociação e de criatividade e que aprender é para a vida toda” (Veen&Vrakking, 2009), já que o conhecimento é dinâmico e se modifica. Assim, não podemos negar ou fechar os olhos frente à uma geração que cada vez mais se afasta do ambiente da escola, por não ter significado para ela. Uma geração que faz as coisas de maneira diferente da qual nós professores fazemos e que deve ser considerada, como um grande celeiro de ideias e projetos pedagógicos a serem desenvolvidos. Ao invés de estarmos do outro lado do muro e nos protegermos deles, resistindo às suas práticas, aproveitemos a oportunidade de exercitarmos nossa expertise em situações experimentais, com o objetivo de melhorarmos a qualidade do sistema educacional que há muito não supre as necessidades de aprendizagem dos momentos atuais.
É preciso perceber uma geração acostumada a ver a vida a partir de uma tela – seja ela uma TV, um computador, um celular, uma janela... jovens que adotam facilmente a tecnologia, trazendo oportunidades expressivas, para sua exploração, criatividade e desenvolvimento, mas também trazendo ameaças e riscos com danos à sua saúde, educação e bem-estar social.
Por isso, escrevo a partir de uma visão positiva em relação à esta geração, de forma a oportunizar reflexões importantes sobre educação, resgatando ideias de educadores que fundamentam nossa prática há tanto tempo: Paulo Freire, Morin, Zabala, Fernando Hernandez, Antonio Novoa, Perrenoud, Vigotsky, Piaget, Freinet e por aí vai. Ideias que envolvem colaboração, diálogo e participação, aquisição de competências e habilidades, trabalho em equipe, interação, aprendizagem mútua. Na frase de Paulo Freire: Ninguém ensina ninguém. Tampouco ninguém aprende sozinho. Os homens aprendem em comunhão. Mediatizados pelo mundo.
A geração C, Y, Z, o Homo Zappiens, seja lá como ela deva ser chamada, cresceu utilizando múltiplos recursos tecnológicos – controle da TV, DVD, mouse, celulares, iPods, PDAs, mp3, entre outros. Esses recursos permitiram às crianças de hoje controlar o fluxo de informações, lidar com informações descontinuadas e com a sobrecarga de informações, mesclar comunidades virtuais e reais, comunicarem-se e colaborarem em rede, de acordo com as suas necessidades. (Veen&Vrakking, 2009). Isso faz com que a escola deixe detransmitir conteúdos disciplinares e permita a construção de conhecimento sólido a partir de dados relevantes e informações significativas. Isso significa ter o “como fazer” como objetivo final, ou seja, desenvolvimento de habilidades de aprendizagem que são fundamentais em uma economia baseada no conhecimento. Será que essas habilidades adquiridas pelos jovens alunos são valorizadas pelas escolas?
Nosso desafio como educadores é tentar maximizar as oportunidades e minimizar os riscos. Caso contrário, poderá ser tarde demais.

Referências:

VEEN, WIM. Homo Zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009.

BRIGUÉ SALA, Xavier e SÁBADA CHALEZQUER, Charo. A Geração Interativa na Ibero-América. São Paulo: Fundação Telefônica, 2009.
Disponível em: http://www.educarede.info/biblioteca/LivroGGII_Port.pdf
Acesso em: 14. set. 2009.

imagem: Nicolás en el computador - http://www.flickr.com/photos/carriagada/130555252/in/photostream/
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