A IA e o Futuro da Educação: crise ou oportunidade?

Como temos conversado aqui, a IA deixou de ser uma promessa distante há muito tempo. Ela se instalou no cotidiano da escola, muitas vezes sem pedir licença. Os estudantes a utilizam indiscriminadamente. Aparece no tutor que responde dúvidas no Wpp, no avatar que simula um professor universitário, nos textos incríveis elaborados em segundos na tela. A IA está mudando a forma como aprendemos, ensinamos e até como entendemos o que significa “saber”.

A UNESCO, no documento AI and the future of education Disruptions, dilemmas and directions (IA e o futuro da educação: perturbações, dilemas e direções), indica que estamos diante de uma virada histórica. Será? A sensação é a de estarmos pisando em terreno novo, fértil e perigoso, que nos desafia a uma reflexão profunda, coletiva e honesta. E não dá para adiar. A educação está no centro desse debate, como em tantas tecnologias que surgiram por aí...

Depois de ler o documento, achei interessante compartilhar alguns pontos que mais me chamaram atenção e que nos ajudam a enxergar o tamanho do desafio e também da oportunidade que temos pela frente.
 
1. a IA aumenta a desigualdade?

A IA chega prometendo personalização, acessibilidade e novas formas de aprender. Mas chega de forma desigual. Um terço da população mundial segue fora da internet, enquanto modelos avançados de IA continuam restritos a quem pode pagar, em dados, infraestrutura, assinaturas ou simplesmente por falar línguas hegemônicas. A própria lógica dos algoritmos, muitas vezes treinados com dados ocidentais e homogêneos, carrega riscos de reforçar desigualdades de gênero, raça, território e cultura. Vale lembrar também do custo ambiental. A IA generativa consome água e energia (como outras tecnologias já existentes), um preço que recai sobre regiões já fragilizadas, o que pode aumentar a desigualdade.
 
2. O professor é insubstituível?

Por mais incrível que um modelo generativo seja, ele não sente vergonha, alegria, frustração ou empatia. Não compreende silêncio, gesto, ambiguidade  e esses são elementos que sustentam a vida pedagógica, é o que traz subjetividade no percurso educativo. E isso, só o ser humano tem. A educação é uma prática profundamente humana, relacional e ética.  Não se trata de encaixar o professor na lógica da IA, mas de colocar a IA a serviço do professor e do estudante. Penso que o atual momento dá outro valor ao professor, ao invés de substituí-lo!  Ele amplia seu papel para além da sala de aula e da sua práxis pedagógica convencional,  se torna designer de experiências, curador crítico, mentor, leitor atento das nuances que máquina nenhuma é capaz de captar.
 
3. A crise da avaliação

A IA mostrou, com todas as letras, que nossas formas convencionais de avaliar estão por um fio. Ela escreve redações complexas, passa em exames de pós-graduação e produz respostas perfeitas, mas sem vida, sem autoria e sem contexto. Se insistirmos no modelo antigo, a crise só vai piorar. Mas se encararmos esse colapso como chance de mudança, abrimos espaço para uma mudança pedagógica: avaliações mais contínuas, formativas, fundamentadas no julgamento humano, no raciocínio ético, na capacidade de argumentar e se relacionar. O texto menciona o conceito de “aprendizagem ciber-social”, em que humanos e máquinas colaboram, mas a interpretação e o sentido continuam sendo responsabilidades humanas. E, para navegar tudo isso, o letramento em IA precisa se tornar tão fundamental quanto ler, escrever e calcular, compreender como os algoritmos funcionam, questionar seus vieses e usá-los de forma ética e criativa. Alô, alô, Educação Midiática!!!

4. Dá para ignorar os dilemas éticos?

As possibilidades são incríveis, mas as tensões não são nada fáceis. A " super" personalização pode ser sedutora, mas corre o risco de isolar estudantes, limitar horizontes e reforçar desigualdades. A aprendizagem, afinal, é social. Crescemos na troca, na dúvida, no conflito produtivo. Por isso, a UNESCO defende uma ética do cuidado “por design”: sistemas pensados desde o início para proteger vulnerabilidades, promover interdependência e garantir transparência. Essa ética exige participação real de professores e alunos na construção das ferramentas, auditorias que verifiquem confiança e bem-estar e mecanismos que explicitem de onde vêm os dados, as escolhas e as visões de mundo que formam cada modelo. Para onde vamos?
A IA é apresentada como gatilho para uma reorientação civilizatória. UAU! Se isso soa grandioso, é porque realmente é. Não podemos apenas automatizar velhos hábitos. Temos a chance de construir algo mais justo, mais curioso e mais humano. Garantir que a IA contribua para uma educação vista como bem público depende de coragem política, ética cotidiana e participação ativa de toda a comunidade educativa. A tecnologia não escreve o futuro sozinha; somos nós que escrevemos.

Não podemos apenas automatizar velhos hábitos. Temos a chance de construir algo mais justo, mais curioso e mais humano.

E talvez essa seja a boa notícia no meio de tantas incertezas.
Para quem quiser aprofundar o tema e explorar caminhos possíveis para reestruturações pedagógicas mais robustas, o documento completo da UNESCO está disponível online (em inglês por enquanto, mas nada que um tradutor não resolva!). Clique no link abaixo!

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