Em outras postagens, abordei o tema sobre a importância da construção do repertório do professor, seja em viagens de férias e nas experiências com outras culturas, ou em museus, exposições, teatro, cinema... Esses espaços culturais oferecem contato com outras narrativas, perspectivas e estéticas, permitindo que o professor compreenda mais profundamente a complexidade humana e os debates do seu tempo. Cada obra vista, cada história ou experiência vivida fora da escola se transforma em matéria-prima para enriquecer as aulas, criar conexões significativas com os estudantes e manter viva a própria curiosidade intelectual. Cultivar esse hábito é investir na formação contínua e na potência criativa da docência.
Por isso, hoje vou falar sobre as relações que estabeleci ao assistir o filme O Agente Secreto (com o incrível e lindo Wagner Moura) e a práxis pedagógica. Podem ler, não contém spoilers. E claro, o texto representa aquilo que eu penso. É um convite para uma pequena brincadeira com o tema e também para assistir ao filme, que é muito bom! Deixem-se levar, ok?
Penso que usar o cinema para refletir sobre a prática cotidiana dos professores é sempre uma ótima oportunidade de olhar para a escola a partir de outros ângulos. Quando assistimos a um filme, abrimos espaço para pensar sobre nós mesmos, sobre as pessoas, sobre o mundo e sobre as diversas camadas (in) visíveis da prática educativa.
O filme O Agente Secreto é especialmente interessante porque trata de temas como vigilância, confiança, ética e manipulação da informação, elementos que hoje atravessam o cotidiano da escola de forma muito intensa. O filme é marcado pela vigilância constante e nos ajuda a pensar sobre o que significa ser professor hoje. Em muitas escolas, a rotina é permeada por avaliações externas, métricas, plataformas, câmeras e expectativas de todos os lados. Assim como Armando (ou será Marcelo?), o professor sente que suas ações estão sempre sob julgamento e análise. Neste sentido, me pergunto: como sustentar criatividade, ética e autonomia em um cenário de permanente observação?
No filme, há muitas narrativas e elas mudam o tempo todo. É importante que a verdade (qual delas?) seja decifrada. Na educação contemporânea um dos grandes desafios é ensinar a ler criticamente o mundo. A avalanche de informações, manipulações, vieses e discursos que disputam a nossa atenção, principalmente em tempos de IA, nos coloca em estado de desconfiança permanente. O professor, assim como o agente, precisa aprender a interpretar sinais, desconfiar do óbvio e ajudar seus alunos a desenvolverem essa mesma capacidade.
Armando (ou será Marcelo?) enfrenta muitas escolhas difíceis, verdadeiros dilemas morais. A docência, embora não envolva espionagem (eu não duvido que haja correspondência em algumas situações), também é atravessada por situações delicadas. Todos os dias o professor decide como acolher, como dar limites, como lidar com conflitos, como ser justo e, ao mesmo tempo, manter o vínculo com os estudantes. Em tempos de hiperexposição, em que tudo pode ser registrado e circulado, manter um compromisso ético se torna ainda mais desafiador.
Assim como o agente atua nas entrelinhas, às escondidas, o professor também realiza grande parte do seu trabalho nos bastidores. Planejamento, estudo, reflexão, preparação das aulas e acompanhamento individualizado raramente aparecem. O Agente Secreto ajuda a enxergar essa dimensão silenciosa da docência, o esforço que não vira manchete, mas que sustenta a escola todos os dias.
Para Marcelo (ou será Armando?) sempre falta parte das informações. Ele age no escuro e toma decisões com base em pedaços de informações, assim como na docência, no momento que o professor lida com o inesperado, com a pergunta que não estava no roteiro, com o aluno que chega fragilizado, com calendário alterado, com imprevistos, com a mudança de planejamento imposta por fatores externos. Educar é trabalhar com gente e, por isso, exige coragem para atravessar a incerteza sem deixar de agir.
Por fim, o filme mostra como escolhas individuais podem impactar a sociedade. Na educação, isso também acontece. Cada decisão pedagógica, cada forma de lidar com a diversidade e cada escolha curricular envolve valores, visões de mundo e disputas culturais. Professores entendem que educar é um ato político (já dizia nosso mestre Paulo Freire) no sentido mais profundo do termo: trata-se de decidir que sociedade queremos construir.
Como eu disse no início do texto: é um convite para uma pequena brincadeira e também para assistir ao filme! Não se trata aqui de buscar equivalências literais entre filme e práxis pedagógica, mas sim abrir caminhos para enxergar o trabalho docente com mais consciência. O filme ajuda a refletir sobre temas que são urgentes hoje, como o papel da ética, a circulação de informações, a invisibilidade do trabalho docente e as tensões que marcam a vida nas instituições educativas. O cinema cria um espaço seguro para pensar, sentir e questionar. É uma forma de nos aproximar de discussões que vão além do conteúdo e tocam na essência da profissão.
Assistam! O filme é muito bom e nos faz pensar em tempos que a gente não quer de volta. Por isso a Educação é tão importante!
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